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quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Serviço Militar Obrigatório ou voluntário? 1996-06-27

Sessão Plenária da Assembleia da República, em 27 de Junho de 1996.

            ( LINK para a Transcrição do Diário da Assembleia da República )

O Sr. Raimundo Narciso (PS):
- Sr. Presidente, Srs. Deputados: 
Participei, ontem, no Instituto de Defesa Nacional, num seminário sobre o serviço militar, na qualidade de membro da Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República, por indicação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
O debate no Instituto de Defesa Nacional, que hoje prossegue, inscreve-se na política do Governo da nova maioria de suscitar um amplo debate na sociedade civil e na instituição militar em torno desta matéria, que, a vários títulos, se apresenta de grande actualidade, e melindre também, para as Forças Armadas e, sem dúvida, para a sociedade, especialmente para a juventude.
A actualidade resulta da perspectiva de que o princípio do serviço militar obrigatório deixará de figurar na Constituição após a revisão constitucional, processo hoje em curso nesta Casa.
Actualidade também, porque a revisão já mexe em sede de comissão e não estará para as calendas. A imprensa diz mesmo que ela avança a passos rápidos sob a batuta proficiente do Sr. Deputado Vital Moreira.
A actualidade do tema resulta ainda, e por razões não menos substanciais; da situação de fracasso, muito sentida nas Forças Armadas, a que chegou o modelo de serviço militar da autoria do Governo do PSD.
O que vi no Instituto de Defesa Nacional não me agradou e disso quero aqui trazer-vos testemunho. Não porque o seminário não tenha decorrido de forma exemplar e com vivo interesse dos presentes, mas pela perplexidade e preocupação de um significativo número de militares, incluindo oficiais superiores e oficiais generais, com a situação decorrente do actual modelo de serviço militar e com a eventual extinção do serviço militar obrigatório.
Já no Instituto de Altos Estudos Militares, que é, como sabeis, a escola superior de pós-graduação dos oficiais do Exército, num seminário sobre o mesmo tema, em Maio passado, com a presença da fina flor daquele ramo das Forças Armadas, essa preocupação com o Fim do serviço militar obrigatório foi transparente.
Nessa altura, o Sr. Deputado Durão Barroso, um dos conferencistas, talvez influenciado pelo meio propiciatório, mas, sem dúvida, num momento de infelicidade, contribuiu para uma certa onda fundamentalista que por aí corre, contra a eventual extinção do serviço militar obrigatório.
O Sr. Deputado Durão Barroso, questionado pela afirmação de que tudo na vida é efémero, até o amado ou odiado serviço militar obrigatório, chegou a afirmar, imagine-se, que o serviço militar obrigatório deveria durar enquanto Portugal existisse!
Foi uma afirmação impensada, ... ou isso corresponde ao pensamento de V. Ex.ª?

Suponho que o Sr. Deputado Durão Barroso não estará presente.
Parece-me detectar essa onda radical, mesmo em alguma imprensa circunspecta, como o Diário de Notícias, onde, há pouco, um seu cronista habitual terçava armas com moinhos de vento contra a tragédia - foi o termo utilizado - que seria o fim do serviço militar obrigatório.
Perspectiva que o cronista do Diário de Notícias exorcizava com figas e cruzes, canhoto, assarapantado com a posição do Presidente da República favorável a tal medida.
...
Sobre as formas de prestar o serviço militar a situação apresenta-se assim: o PS e o PSD propõem, nos seus projectos de revisão constitucional, que a decisão sobre se o serviço militar é obrigatório ou é voluntário saia da Constituição e passe para a lei ordinária.
Já agora, se me permitem um aparte, gostaria de conhecer a opinião do Sr. Deputado Manuel Monteiro... Ah, o Sr. Deputado não está presente! Mas pode ser o Sr. Deputado Jorge Ferreira... Ah, também não está! Bom, pode ser qualquer Deputado do Partido Popular... É que o Partido Popular, lá fora, tem o hábito de dizer que os Deputados não fazem nada, mas aqui não estão presentes. Enfim, alguns estão ' presentes, mas não os que referi. O que gostaria de saber é se o Partido Popular, o único partido cuja posição não consigo perceber, é a favor ou contra o serviço militar obrigatório.
Se, posteriormente, a Assembleia da República estiver de acordo em alterar a Lei do Serviço Militar, é provável que o Governo, confirmada pelos estudos em curso a bondade da sua política militar, substitua a obrigatoriedade da prestação do serviço militar pelo voluntariado, como se sugere no seu programa.
Isto de pensar que um governo vai tomar uma medida por ela estar inscrita no seu programa dá vontade de rir, tão habituados estávamos à prática da velha maioria do PSD, cuja consigna, bem nos lembramos, era: «promessas leva-as o vento».
Mas o Governo de Guterres anda agora a surpreender-nos com a sua quase patética decisão de cumprir o que prometeu e, assim, pode ainda bem acontecer que dê uma prenda aos jovens - o fim do serviço militar obrigatório.
Se o fizer, não será por eleitoralismo ou demagogia, mas por razões de Estado e uma visão atenta às exigências da situação nacional e do actual quadro geoestratégico internacional.
Tal como o fizeram, recentemente e por razões idênticas, a Bélgica, a Holanda, a própria França - a pátria do serviço militar obrigatório!-, para não referir, porque aí já pesa a tradição, o Reino Unido e os Estados Unidos da América.
A passagem das Forças Armadas de vários países ocidentais do sistema baseado na conscrição - o serviço militar obrigatório - para o regime assente no voluntariado, ou mesmo para o profissionalismo completo, associada a profundas reestruturações nas Forças Armadas e reduções de efectivos, por vezes drásticas, com os consequentes emagrecimentos dos orçamentos da Defesa, resulta da extinção do mundo bipolar, do fim da guerra fria, do desaparecimento de ameaças globais e de legítimas reivindicações dos povos para que não se queime tanta riqueza com armamentos, afinal para maior e mais rápido extermínio de homens e mulheres.

Mas o esfumar das ameaças globais teve o perverso resultado de libertar de constrangimentos maiores, impostos pelo arrastar de espadas das superpotências, os conflitos de baixa e média intensidade, antes latentes. E assim se perfilam no horizonte o terrorismo organizado, nacionalismos exacerbados, fundamentalismos étnicos ou religiosos, uns e outros estimulados, desencadeados e potenciados pela pobreza, pela ruína económica, pela grande desigualdade social dentro de cada país e entre países ricos e países pobres.
Este é o novo ambiente, a requisitar, por essa Europa fora, Forças Armadas mais curtas, mais ágeis, mais inteligentes. Forças Armadas mais profissionais e menos conscritas. Por isso, o voluntariado. Por isso, a Bélgica a reduzir as forças armadas de 80 000 homens, em 1993, para 40 000, em 1998; a Holanda a diminuir os efectivos em 40 %, até ao ano 2000; a França a planear diminuir o exército em 45 % e a Espanha, que já licenciara 36 % dos efectivos, a prosseguir a. redução, em mais 20 %, até à viragem do século. Portugal percorreu o mesmo caminho e, hoje, com 50 700 militares nos três ramos das Forças Armadas, do general ao praça, do almirante ao grumete, já não pode reduzir muito mais.
O orçamento com que as Forças Armadas vivem poderá ser melhor rentabilizado ou utilizado de outra forma, mas não parece poder diminuir mais. Nos últimos anos, a austeridade vem causando dificuldades e até, em alguns casos, verdadeiro desespero. É necessário fazer, em breve, alguns investimentos indispensáveis, sem o que as Foras Armadas perderão capacidade de recuperação.
É a educação, essa paixão de Guterres, é a Saúde, é a Solidariedade, é a tentativa de socorrer os mais marginalizados, são os apertos dos critérios de Maastricht, que é necessário atingir, é a nossa necessidade de desenvolvimento a exigir cada vez mais orçamento e a deixar pouco para a Defesa.
Mas não podemos deixar que ela nos deixe indefesos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre a questão da alternativa serviço militar obrigatório serviço voluntário, não quero apenas tecer considerações descomprometidas. Sobre este assunto, quero comprometer-me.
Defendo o serviço militar voluntário, não apenas para me pôr do lado dos jovens, mas porque me parece ser esse o interesse do País.
Ao tomar este partido, faço-o na base de um estudo, que julgo ser suficientemente fundamentado, e de argumentos, cuja consistência não cabe nesta breve declaração
demonstrar.
Mas tomo partido pela prestação voluntária do serviço militar aberto ao livre exame de razões opostas e melhores estudos.
O fim da conscrição e o prosseguimento da reestruturação das Forças Armadas, iniciada nos anteriores governos, deverão torná-las mais capazes para a sua missão primária e prioritária de defesa do território e da independência nacional, mais adequadas às novas missões, de projecção de poder, de acordo com o interesse nacional, mais aptas à participação colectiva em forças multinacionais aliadas e mais habilitadas para participar em acções de paz ou humanitárias, como hoje sucede com a UNAVEM III, em Angola, com a IFOR, na BósniaHerzegovina, ou na cooperação técnico-militar que desenvolvemos com assinalável êxito nos PALOP.
Êxito que prestigia o País, se traduz em importante sucesso da nossa política externa e leva outros países africanos, mesmo sem a vantagem da língua, a pedir a nossa cooperação técnico-militar, atraídos pelo bom desempenho das nossas Forças Armadas.
Quero terminar com a seguinte proposta: que a Assembleia da República proceda a um estudo que habilite os Deputados a conhecer com profundidade as consequências da extinção do serviço militar obrigatório para as Forças Armadas e o País, na vertentes financeira e da política de defesa nacional, e que, para o efeito, se nomeie uma comissão ou, simplesmente, disso se encarregue um Deputado, a quem sejam fornecidos meios adequados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
( Para ver os pedidos de esclarecimentos e as respostas de RN seguir o link apresentado no início deste "post" )

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