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quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

CONVENÇÃO EUROPOL-combate ao crime e SEGURANÇA 1996-06-28

Assembleia da República 28 de Junho de 1997 texto no Diário da Assembleia da República nº 87 pág 3074 
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Convenção Europol, que o Governo submete à Assembleia da República para ratificação, é um instrumento de grande importância no processo de consolidação e aprofundamento da União Europeia.
Esta Convenção não deve ser vista apenas como um simples instrumento coordenador de acção policial para combate ao crime organizado, o que já é muito, mas também como um passo em frente, a que outros se devem seguir, no sentido da ampliação do espaço de liberdade do cidadão europeu.

Sendo um instrumento directamente interventor na área policial, a Europol visa aumentar a segurança e facilitar a administração da justiça. Por sua vez, a liberdade do cidadão está intimamente associada à segurança - depende dela - e está intrinsecamente ligada à justiça, não é sustentável na sua ausência. Por isso, e em última análise, a Convenção Europol está vocacionada para melhorar as condições do exercício da liberdade.

Para enfrentar e vencer o crime organizado, produto de associações cada vez mais poderosas e sofisticadas, os Estados e os cidadãos que se revêm nos valores europeus da democracia e dos direitos do homem têm na Europol a resposta comum, talvez ainda insuficiente, mas a que hoje é possível ter, contra um inimigo que com grande avanço se internacionalizou.

As organizações criminosas que se dedicam ao tráfico de estupefacientes, de armas, de material nuclear e radioactivo, ao tráfico de seres humanos, ao terrorismo e ao branqueamento de capitais reconheceram há muito as virtualidades do internacionalismo e praticam a cooperação transnacional para a execução dos seus crimes e desembaraçaram-se de barreiras fronteiriças ou nunca atenderam à sua existência para os seus negócios ilegais.
Imperdoável seria que os Estados, particularmente os que se empenham na edificação e aprofundamento da União Europeia, para atender razões de ultrapassado nacionalismo ou a falidas estratégias pseudo-revolucionárias, se atassem de pés e mãos e reerguessem, dificultando o combate ao crime, as barceiras fronteiriças que o crime internacional não respeita.
Há quem tente contrariar os esforços para a criação de instrumentos que possam estar à altura dos desafios colocados pelo crime organizado com o argumento de que este Serviço Europeu de Polícia visa não a segurança mas o cerceamento das liberdades dos cidadãos. Mas a realidade, indiferente aqui, como em relação a muitos outros humanos projectos, não lhes dá razão. A experiência comunitária tem revelado êxitos no combate ao crime e no consequente aumento da segurança.
A Convenção Europol é um serviço europeu de polícia, não é uma polícia comunitária. A Europol tem órgãos centrais de coordenação e centralização de informações e serviços e assenta a sua capacidade operativa em Unidades Nacionais, únicas para o efeito, que nomeiam os agentes de ligação com a Europol.
Estas Unidades Nacionais têm entre as suas funções a de facultar, por sua iniciativa, à Europol os dados e informações necessários às suas funções ou responder aos seus pedidos. No entanto, as Unidades Nacionais podem deixar de transmitir essas informações, se elas lesarem interesses fundamentais de segurança nacional ou comprometerem o êxito de investigações em curso ou a segurança de uma pessoa.

A proposta de resolução do Governo visa a ratificação da Convenção Europol, do Protocolo relativo ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e a Declaração no sentido da sua adopção simultânea.
Merece referência ainda o tacto de que Portugal formulou a este respeito duas declarações, pelas quais, na primeira, reconhece a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e, na segunda, reserva o direito de dispor na sua legislação nacional que, sempre que uma questão relativa à interpretação da Convenção Europol seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

Os objectivos da Convenção Europol estão bem definidos e estão faseados no tempo. Numa primeira fase, a Europol terá na sua mira o tráfico de estupefacientes, o tráfico de material nuclear e radioactivo, as redes de emigração clandestina, o tráfico de seres humanos e de veículos roubados; numa segunda fase, até dois anos após o início da vigência da Europol, esta ocupar-se-5 do terrorismo que atente contra a vida, a integridade física e a liberdade das pessoas e bens.
Por decisão unânime do Conselho, a Europol pode ainda ocupar-se de outro tipo de crimes graves internacionais, como tráfico de órgãos e tecidos humanos, rapto, sequestro, racismo e xenofobia, tráfico de bens culturais, incluindo antiguidades e obras de arte, corrupção, etc.
Um factor chave em que assenta o edifício e a eficácia da Europol no combate ao crime internacional é o sistema de informações informatizado. No mundo de hoje - mundo da informação - esta é o factor decisivo para o êxito de qualquer política. O combate ao crime internacional organizado é, em primeiro lugar, a luta pela informação atempada.

Como todos temos presente, este é também um dos terrenos mais delicados da soberania das nações e da liberdade dos cidadãos. Por isso a Convenção Europol foi rodeada dos maiores cuidados e prevenções, para que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos de cada país e a segurança nacional sejam salvaguardados ao longo de todo o processo de recolha, comunicação, processamento, acesso e uso de dados informatizados.

Além disso, os dados a recolher e a comunicar à Europol estão limitados pela estrita necessidade dos objectivos do sistema. Portugal e os outros Estados-membros atribuíram ao Tribunal de Justiça dos Comunidades Europeias, através de uma declaração, a resolução em última instância dos diferendos que surjam entre si sobre a interpretação ou aplicação desta Convenção.
Três dos sete títulos e vinte dos quarenta e sete artigos da Convenção são dedicados, pois, ao sistema de informações, às regras do seu uso, ao seu controlo e à responsabilização por eventuais desvios.
Cada Estado-membro designará uma instância nacional de controlo, encarregada de fiscalizar, com isenção e em conformidade com a legislação nacional, a legitimidade de introdução, consulta ou transmissão de dados pessoais à Europol e de se assegurar de que não há violação dos direitos das pessoas.
Na proposta de lei n.º 107/VII do Governo, que hoje aqui apreciamos e, seguramente, ratificaremos, designa-se como instância nacional de controlo, prevista na Convenção Europol, a Comissão Nacional para a Protecção de Dados Pessoais Informatizados e atribui-se-lhe a responsabilidade de nomear os dois representantes portugueses na Instancia Comum de Controlo.

A designação da Comissão Nacional para a Protecção de Dados Pessoais Informatizados, que funciona no âmbito da Assembleia da República, revela a preocupação do Governo em garantir a transparência de processos em terreno de grande melindre. O reconhecido prestígio e eficácia desta entidade é uma garantia para os cidadãos e para o Estado português.
A Comissão Nacional para a Protecção de Dados Pessoais Informatizados, cujo presidente e dois vogais são eleitos por esta Assembleia, tem uma experiência e prestígio firmados internacionalmente no âmbito das relações internacionais, nomeadamente no âmbito dos Acordos de Schengen, relativamente ao qual já funcionava como autoridade nacional de controlo da parte portuguesa do respectivo sistema de informações.

Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muitas das matérias do III Pilar pertencem ao núcleo da soberania nacional e por isso se compreende o melindre e, por vezes, a complexidade que representa a comunitarização ou tão-só a coordenação das políticas que a elas dizem respeito. Compreende-se, por isso, também a necessidade de dar apenas os passos seguros, evitando voluntarismos e pressas que, ao Fim e ao cabo, possam redundar em maiores atrasos.
Tendo em conta o aforismo que recomenda que se vá devagar porque se tem pressa, não devem, no entanto, os Governos e os cidadãos atrasar-se na necessidade de aprofundarem o acquis já obtido com a Convenção Europol.
Portugal é o segundo país a proceder à ratificação da Convenção Europol. Isso corrobora o seu empenhamento na luta contra o crime internacional e no fortalecimento dos instrumentos que a nível da União Europeia a possam prosseguir com maior êxito.

É urgente ratificar a Convenção Europol. É urgente que todos os países membros que já manifestaram o seu acordo o façam rapidamente, antes do fim do ano, como o Conselho Europeu de Amsterdão recomenda.
O Conselho Europeu de Amsterdão confirmou, no texto do novo Tratado, a importância e o desejo de prosseguir o aprofundamento das políticas de defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, da não discriminação, da segurança e da justiça, em suma as matérias do III Pilar.

Como é sabido, o Governo português tem tido um desempenho e protagonismo nos Conselhos Europeus, no processo da Conferência Inter-Governamental e noutras instâncias comunitárias, que muito tem prestigiado Portugal. Não foi apenas ao levantar a bandeira em prol da luta contra o desemprego na cimeira de Madrid. O Governo português procurou também que se avançasse mais no âmbito do II Pilar, com a aproximação da UEO à União Europeia e teve um papel activo no reforço das políticas do âmbito do III Pilar.

No âmbito dos direitos do cidadão, relativos à liberdade, à segurança e à justiça, o tratado de Amsterdão materializou alguns progressos. Nele se inclui um protocolo que integra o acervo de Schengen no quadro da União Europeia, reformula vários artigos do Tratado de Maastricht no capítulo dos direitos fundamentais, segurança e justiça e inclui novos artigos que dizem respeito à Europol como é o caso do novo artigo K.1, no Título VI, onde se expressa ser objectivo da União Europeia facultar aos cidadãos um elevado nível de segurança dentro de um espaço de liberdade, segurança e justiça.
Neste novo artigo o ênfase é colocado na cooperação mais estreita entre forças policiais e autoridades judiciárias dos Estados-membros, tanto directamente como através da Europol.
 É introduzido um novo artigo K.7, através do qual passa a fazer parte do novo Tratado da União a essência do Protocolo, que hoje ratificaremos, relativamente à competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação da Convenção Europol. 

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo Português está empenhado na aplicação prática e eficaz da Convenção Europol. O Partido Socialista dará os seus votos para que a Assembleia da República ratifique hoje esta Convenção, assinada pelo Conselho em Julho de 1995, assim como o Protocolo, assinado em Setembro de 1996, que atribui ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias os poderes da sua interpretação.

Os Deputados socialistas apoiam a proposta do Governo que designa a Comissão Nacional para a Protecção de Dados Pessoais Informatizados como a instância nacional de controlo prevista na Convenção Europol.


A bancada socialista da Assembleia da República, em sintonia com o Governo, quer contribuir para a construção de uma União Europeia onde se preservem e ampliem os valores da liberdade, da segurança e da justiça.

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