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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

PORTUGAL E A NATO

Publicado na JANUS 98, revista da Universidade Autónoma de Lisboa. Nº especial sobre Defesa Nacional e Forças Armadas
E que reproduzi em 1996 no site que criei para informar os contribuintes como andava a gastar o seu dinheiro. Estava alojado na plataforma do Geocities que uns anos mais tarde encerrou mas garantiu o acesso ao respectivo arquivo. Link para o arquivo do Geocities. Link para a Revista JANUS 
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A desagregação dos regimes comunistas da Europa, processou-se de forma tão rápida e surpreendente que deu origem, entre os membros da NATO, a um período de incertezas e reavaliações sobre o futuro da organização.

Tendo sido criada fundamen-talmente para enfrentar a "ameaça comunista" na Europa, alguns meios europeus menos conformados com a "tutela" norte-americana admitiram que, na nova situação, não só a presença de tropas norte-americanas na Europa,(1) como a própria organização militar, teria perdido a razão de existir.
Vista da América, em 1995, a situação apresenta-se clara. No início desse ano Richard Holbrooke, o subsecretário de Estado para a Europa, da administração Clinton, explicava a importância que os EUA atribuíam ao laço transatlântico. Dava como exemplo disso as quatro visitas do Presidente, no ano anterior, à Europa e revelava que "os EUA tornaram-se numa potência europeia", devendo por tal entender-se que os seus interesses na Europa vão muito para além das garantias habituais dadas pela América na esfera da segurança. (2)
Já de Paris a óptica é outra. Francis Gutmann, embaixador de França e ex-secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês não tem contemplações:
"Os Estados Unidos foram favoráveis à construção europeia enquanto ela servia para reforçar o bloco ocidental face ao bloco soviético... Com o passar dos anos começaram a ver nela um concorrente económico incómodo".
"Quanto aos nossos parceiros da União Europeia - tão pouco digna e tão pouco realista que esta atitude nos possa parecer - eles preferiram sempre atribuir aos Estados Unidos o cuidado de assegurar a ordem e a paz no mundo, incluindo a Europa.
"...A OTAN, sob a obediência americana, parece-lhes ser o melhor dos seguros e a manutenção deste "guarda-chuva" que os protege desde há várias décadas, vale bem a seus olhos, em contrapartida, nada fazer na Europa e no mundo que, politicamente, possa irritar os Estados Unidos." (3)
A NATO, para além de corresponder a interesses dos aliados europeus é sem dúvida o mais importante instrumento dos Estados Unidos para a defesa dos seus interesses na Europa. Ora como nem sempre os interesses dos dois lados do Atlântico são coincidentes os EUA esperam da NATO um papel persuasivo sobre quais devem prevalecer.

A EUROPA EM MUDANÇA

A primeira grande questão surgida com a queda do muro de Berlim foi o problema alemão.
Gorbatchov "autorizou" a reunificação alemã mas pediu em troca a sua saída da NATO e a sua neutralidade. Os EUA que apoiaram a reunificação desde início, argumentaram que isso levaria inevitavelmente a Alemanha a criar o seu armamento nuclear. Este "perigo" e a precipitação dos acontecimentos na União Soviética anularam as suas objecções.
A França e a Inglaterra esboçaram alguma resistência à unificação, receosas do poderio alemão, mas não puderam fazer outra coisa senão conformarem-se.
A França pela voz de Mitterrand chegou a propor, em 1990, uma nova arquitectura para a segurança europeia baseado numa confederação de todos os Estados do Europa, incluindo a Rússia. Mas não encontrou seguidores dentro da NATO. E menos ainda nos ex-membros do Tratado de Varsóvia, receosos do regresso à "protecção" da Rússia, e ansiosos por se tornarem "ocidentais". Aliás, face às dificuldades em entrarem rapidamente na União Europeia (UE), estes países deram prioridade à adesão à NATO, com o duplo objectivo de terem a simpatia e protecção norte-americana e, por essa via, franquearem mais facilmente as portas da UE.
Pelo seu lado, a Rússia, esforçou-se por não ficar de fora do núcleo dirigente da reconstrução do sistema de segurança europeu e propôs, sem sucesso, que fosse a Organização para a Segurança e a Cooperação Europeia (OSCE) a sua organização matriz.
Entretanto a UE criada de emergência, em Maastricht, em Fevereiro de 1992, por iniciativa do eixo Paris-Bonna, para dar à CEE a ambicionada e sempre adiada consistência política, não conseguia apresentar-se perante os EUA como um interlocutor a uma única voz e estes viram facilitada a confirmação da sua liderança na NATO.
No mesmo sentido influiu a guerra do Golfo, em 1991. E mais ainda a crise na ex-Jugoslávia ao pôr a nu que a Política Externa de Segurança Comum não passava ainda de uma quimera.

A NOVA NATO

A reconstrução do complexo edifício da segurança na Europa, sob a direcção dos Estados Unidos, passou a ter então, de forma explícita, a NATO como núcleo duro.
Em 1994, a NATO organizou a Parceria para a Paz destinada a enquadrar os países que abandonaram o comunismo, incluindo a Rússia. Em 1996, já ultrapassados os desentendimentos em relação à Bósnia, os Estados Unidos, na reunião ministerial da NATO, em Berlim, concedem, ainda que de forma limitada, a utilização de meios operacionais e de comando da OTAN pela UEO para a prevenção de conflitos, gestão de crises, acções de paz, na Europa na condição de decisão unânime dos 16 membros da Aliança.
Esta solução que vem ao encontro da Declaração de Petersberg, dos membros da UEO, em 1992, é o compromisso a partir do qual a UE, procura dar consistência à Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD), que terá na UEO o seu braço armado!
As decisões da Aliança Atlântica em Paris, Sintra e Madrid, em 1997, culminam, nesta fase, a edificação da segurança europeia, em torno da NATO.
Para apaziguar a Rússia que não se conforma com o alargamento da Aliança Atlântica em direcção às suas fronteiras, foi assinado em 27 de Maio, em Paris, o "Acto Fundador sobre as Relações, 

Cooperação e a Segurança Mútuas entre a NATO e a Rússia".

Em Sintra, o Conselho do Atlântico Norte, em 29 de Maio de 1997, reforçou a Parceria para a Paz, na qual participam 27 países e propôs a criação do Conselho de Parceria Euro-Atlântico.

Em Madrid, em 8 e 9 de Julho de 1997, a cimeira da NATO
· face ao pedido de ingresso de doze países do Leste aceitou a entrada,
   em Abril de 1999 (50º aniversário da NATO) da Polónia, da
   República Checa e da Hungria,
· assinou a "Carta sobre uma parceria especial entre a NATO e a
   Ucrânia" cuja independência e separação da Rússia constitui um
   objectivo estratégico da Aliança Atlântica;
· reafirmou o empenho no reforço da IESD;
· reforçou o diálogo sobre o Mediterrâneo;
· decidiu actualizar o Conceito Estratégico da NATO;
· decidiu prosseguir a restruturação dos comandos militares e levar à
   prática o conceito de Forças Operacionais Combinadas Internacionais
   (CJTF).
Na nova arquitectura da segurança na Europa duas questões da maior importância aguardam resposta. Uma é a gestão da relação com a Rússia. O alargamento da Aliança para leste pode ser visto como a concretização de um direito de países independentes que com legitimidade o reclamam, mas não evita que a Rússia o tome como uma ameaça! A outra tem a ver com as "novas missões" para as quais se prepara o conceito CJTF. 
Tendo em conta o alargamento indeterminado da área de intervenção da NATO e o debate escaldante sobre se as "novas missões" devem depender ou não de um mandato legitimador da ONU ou da OSCE, resta saber se a Aliança Atlântica se transformará num instrumento da paz, da democracia e da liberdade ou num "gendarme internacional" da era da globalização.
Raimundo Narciso (Deputado do Grupo parlamentar do PS e membro da Comissão de Defesa Nacional da AR.)
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(1) - As forças norte-americanas estacionadas na Europa passaram de 150 para 100 mil com o fim da guerra fria.
(2) - Richard Holbrooke: "America, a European Power" in Foreign Afairs, march/april 1995.

(3) - Francis Gutmann: "Aprés Madrid, Amsterdam, Luxembourg... La France, l’Europe et l’OTAN" in Défense Nationale, février 1998.

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