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sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O SERVIÇO MILITAR NA EUROPA - 3 - o Reino Unido

Assembleia da República
Comissão de Defesa Nacional
 Relatório

das visitas e dos Encontros de uma delegação da Comissão de Defesa Nacional com as Comissões congéneres, com os Ministérios da Defesa e com as chefias militares, da Alemanha, Bélgica, Reino Unido e França, sobre o Serviço Militar, em Fevereiro e Março de 1997.
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Índice:

 Introdução                                         1
1 - A Alemanha                                  4
2 - A Bélgica                                     13
3 - O Reino Unido                            17
4 - A França                                      25
5 - Conclusões                                  32

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3 - Reino Unido

Considerações iniciais

Ao contrário da maioria dos países continentais o Reino Unido tem uma tradição de forças armadas profissionais. Desde a criação dos exércitos nacionais, a partir do século XVII, que na Grã Bretanha se radicou como direito individual do cidadão a não imposição da obrigatoriedade do serviço militar.
O recurso ao serviço militar universal e obrigatório para os homens, tem sido uma exceção na história inglesa. Foi imposto na Grande Guerra e mesmo assim, só dois anos após o seu início, em 1916. E mais recentemente durante a Segunda V Guerra Mundial. Depois, em E consequência de guerras de libertação em algumas colônias britânicas (Malásia 1948-51, Quénia 1952-54) da participação na Guerra da Coreia (1951-53) e da Guerra Fria, o serviço militar obrigatório continuou até 1956.
Um fator que influiu decisivamente para a ausência da conscrição nas Ilhas Britânicas, foi a particularidade de serem ilhas e não terem tido a u necessidade do aumento constante dos exércitos para impedirem a invasão, do seu território. Essa terá sido uma razão decisiva para não terem seguido o percurso das nações europeias continentais de adotar a conscrição, a partir do século XIX

Forças Armadas profissionais versus conscrição

O período de transição da conscrição para as forças armadas profissionais durou seis anos de 1957 a 1962 e, desde esta data o RU não tem serviço militar obrigatório.
Em 1956, as forças armadas do RU tinham 718 mil efetivos e com a extinção do SMO pretendia-se criar umas forças armadas profissionais de 415 mil homens até ao ano de 1962. Duas razões maiores para o regresso à profissionalização das forças armadas, para além da má aceitação tradicional, foram a redução de efetivos, por razões operacionais e orçamentais e, à época, a falta de mão de obra para a indústria.
A transição para a profissionalização trouxe mais dificuldades do que as previstas, nomeadamente, o recrutamento de voluntários, o que levou a prolongar o serviço militar obrigatório para além do período! planeado, a  baixar para os dezassete anos o limiar de incorporação, a rever as  remunerações e a ampliar o emprego `de civis. A medida mais espetacular para o sucesso do recrutamento foi, no entanto, o aligeiramento da disciplina e, curiosamente, sem consequências negativas para esta.
As economias orçamentais resultaram menores do que o previsto porque o aumento das remunerações e de outros incentivos aos contratados absorveu  uma parte maior do que a planeada das poupanças obtidas com a redução do número de conscritos.
Em 1970 foi criado o “salário militar” com o objetivo de, aumentando-o, colocar as remunerações dos militares ao nível das remunerações civis para qualificações equivalentes. Desapareceram então subsídios para alojamento e a maior parte de pagamentos suplementares.
Apesar de um contacto menor da população com as forças armadas O resultante da extinção da conscrição é grande o seu prestígio no país. Os militares gozam de estima da população e andam fardados na rua, exceto na Irlanda do Norte, por razões de segurança.
A transição das forças armadas de conscrição para as forças armadas de profissionais fez-se sem dificuldades que comprometessem os objetivos militares e da defesa.
No plano social, o serviço militar obrigatório não era bem aceite. Na opinião do Govemo e das Forças Armadas do RU ele não garante suficiente qualidade e operacionalidade às forças armadas. O Governo do Reino Unido considera que as forças armadas profissionais são muito superiores às de conscrição mas que isso só se consegue ao fim dum certo número de anos.
Os meios financeiros poupados com o fim da conscrição, mesmo aquém do previsto, serviu para melhorar a qualidade das forças armadas (CDN/Câmara dos Comuns).

Quando se decide a ingressar nas forças armadas, o cidadão do RU pode optar por um contrato de 3, 6 ou 9 anos. E o tempo máximo de permanência é de 22 anos. Os militares que assinem um contrato de 6 ou 9 anos têm vencimentos maiores do que aqueles que optam pelos de 3 anos.
Em média, cerca de 70% de soldados e oficiais contratados, permanecem 4 a 5 anos ao serviço. Os problemas maiores das forças armadas profissionais são o recrutamento  e a constituição de reservas de mobilização.
O recrutamento de militares, excluindo o recurso à conscrição, tem de recorrer a argumentos tão apelativos que garantam a alimentação suficiente e adequada das forças armadas, o que não é fácil e nem sempre é conseguido no grau necessário.
Concretamente há falta, neste momento, de militares na faixa etária dos 18 aos 24 anos. Os quadros orgânicos estão incompletos. Faltam 3 a 3,5% na marinha, 6% no exército e 5% na força aérea. No exército as maiores faltas verificam-se na infantaria (5 mil) e na artilharia.
Para estas dificuldades contribuiu a evolução demográfica, que nos últimos 16 anos 'levou à diminuição em um terço a faixa etária dos 17/18 anos; a diminuição do número de desempregados, em um milhão, nos últimos seis anos e a política educacional, que aumentou muito o número de jovens que continuam a estudar para além dos 16 anos (limite de escolaridade obrigatória). Há 16 anos atrás continuavam no sistema de ensino 1 em cada 18 estudantes e agora um em cada 3.

O recrutamento

O contingente anual disponível e com condições indispensáveis à - incorporação é de 100 mil jovens de ambos os sexos e as necessidades anuais de recrutamento são da ordem dos 25 a 26 mil jovens.
O recrutamento assenta num aperfeiçoado "marqueting" e num conjunto de
incentivos financeiros, profissionais e sociais. As atividades de recrutamento custam por ano 100 milhões de libras (cerca de 29 milhões de contos), que corresponde, em situações normais, a cerca de 3 mil libras por recruta (quase 900 contos). Utilizam para o efeito, a televisão, o cinema e a rádio, têm parcerias estabelecidas com o Ministério da Educação, o sistema de segurança social e centros de emprego. Há facilidades no ensino, no serviço de saúde e na habitação para as famílias dos militares.
Procuram sensibilizar os jovens a partir dos 14 anos, nomeadamente nas escolas, e há academias que dão cursos com formação militar a partir dos 16 anos, mas sucede que muitos dos alunos não querem depois seguir a carreira militar. Encara-se a possibilidade de recrutamento a partir dos 16 anos de idade, à saída da escolaridade obrigatória.
O recurso a prémios é um exemplo das dificuldades de recrutamento para, as especialidades que têm menos valências para a vida profissional civil após o fim do contrato. Um soldado que recrute um amigo para a infantaria ganha 50 libras (cerca de 14 contos). Também, em certos especialidades, é dado um bónus de mil libras aos militares que fiquem mais um ano para além do contrato.
Do sistema de recrutamento faz parte a formação profissional, a criação de facilidades de emprego após o contrato ou, por exemplo, a aquisição do direito à reforma aos quarenta anos, após 22 anos de serviço.

As reservas                                                     

O outro “grande problema, próprio das forças armadas profissionais é o da organização de reservas.
No Reino Unido há dois tipos distintos de reservas, com origem e natureza diferentes, são eles a Reserva Regular e a Reserva de Voluntários.
As reservas regulares são constituídas por ex-militares que tem um  compromisso de regressar às fileiras , em caso de necessidade, durante um certo número de anos.
Estes reservistas serão colocados individualmente nas unidades existentes para preencher vagas ou completar unidades, não ganham qualquer remuneração exceto quando chamados para o ativo ou para treinos. Nos últimos anos, em tempo de paz, não têm sido chamados para treinos.
A reserva de voluntários é constituída, em geral, por cidadãos que não serviram nas forças armadas, que têm um contrato com as forças armadas pelo qual obtêm a sua instrução e prontidão para o combate com treinos ao longo do ano. Estes treinos duram 60 dias por ano, no âmbito de um acordo que envolve também a entidade patronal, e por eles o reservista recebe um vencimento.
Os reservistas voluntários na Royal Navy (3500) e na Royal Marine (l.200) têm um papel idêntico aos da reserva regular: colocações individuais. Os reservistas voluntários do exército estão organizados em unidades militares que constituem a Territorial Army com um efetivo de 59 mil reservistas. Os reservistas voluntários da força aérea constituem dois grupos distintos a Royal Auxiliary Air Force com cerca de 1.500 efetivos e a RAF Volunteer Reserve com cerca de 200.
Para adaptar as reservas à nova situação político-militar e à orientação do Governo de utilizar com mais frequência as reservas em tempo de paz, nomeadamente, nas operações de gestão de crises, de prevenção ou restabelecimento da paz, foi aprovada nova legislação que altera alguma já com mais de 300 anos. Esta nova legislação, “The Reserve Forces Act 1996” (RFA96), abrange apenas os novos reservistas e dá por um lado, ao Governo maiores poderes de chamada para o ativo e por outro maiores garantias e regalias aos reservistas chamados assim como às respetivas entidades empregadoras.
Em 1996 quase 2 mil reservistas, regulares ou voluntários, foram chamados para substituições nas forças do Reino Unido destacadas na Bósnia-Herzegovina, por períodos de seis meses. Em Março de 1997 o seu número na SFOR baixou para 680.

A Territorial Army

Importa sublinhar que a “Territorial Army” não pode, com rigor, ser incluída na categoria de reserva de mobilização, tal como ela é entendida nas forças armadas continentais. Em primeiro lugar, ela tem raízes históricas anteriores à própria 'constituição das forças armadas convencionais. Constituíram, “a tempo parcial”, as primeiras forças armadas permanentes. Depois, pelas suas características, com unidades próprias constituídas, elas são, de facto, um segundo exército. Um exército com um número de efetivos igual a metade do exército do ativo, com armamento de igual nível e tecnologia, com capacidade operacional equivalente e com uma particularidade muito apreciada, tem um orçamento não de 50% mas de 5% do orçamento do exército do ativo!
Importa ainda referir' “os cadetes”, e sublinhar o seu papel quer para a ligação forças armadas/sociedade civil, quer para o futuro recrutamento de militares para o ativo e para a “Territorial Army”.
Quarenta mil jovens dos treze aos dezassete anos, de duzentos e cinquenta grandes colégios, dedica uma tarde por semana ao treino militar enquadrados por instrutores civis apoiados por militares. Outros quarenta mil jovens escolares são interessados no treino militar e na aproximação às forças armadas através dos 1640 clubes militares criados nos liceus e colégios que não se podem dar ao luxo de ter o seu clube privado.
No Reino Unido, ao contrário da Alemanha, existem tribunais militares. Não há qualquer intenção de os extinguir mas procuram melhorar a sua isenção. Os militares julgados nos tribunais militares podem recorrer para os tribunais civis.
O serviço de saúde está organizado por ramos, mas pretendem reestruturá-lo e articulá-lo com o serviço nacional de saúde.
Também nas forças armadas do RU, em todos os ramos, há militares dos dois sexos. Cerca de 4% dos efetivos são mulheres e esta percentagem vai aumentar para 10% a curto prazo.

Redução de efetivos

As forças armadas do RU com o fim da guerra fria, foram objeto de reduções tal como todas as forças armadas da OTAN. As mudanças foram feitas de acordo com um estudo sobre a política de defesa, denominado “Opções para a Mudança”, apresentado em Julho de 1990, por uma comissão que abrangia vários ministérios e oficiais das forças armadas.
Este estudo tinha como objetivo a redução de despesas e o reequilíbrio da distribuição de meios para as rubricas de pessoal, funcionamento e  equipamento.
Os principais objetivos das Opções para a Mudança, objetivos entretanto alcançados, foram os seguintes:
·        manutenção da capacidade das forças nucleares estratégicas;
·        reduções menores na defesa específica do RU, como por exemplo,  substituição dos aviões Phantoms por um número menor de aviões ' Tornado;
·        alterações maiores em todas as outras missões que se traduziram na redução a metade das forças britânicas estacionadas na República Federal Alemã até meados dos anos 90: com a diminuição do número de divisões do exército de três para uma e das bases da força aérea de quatro para duas. Diminuição do número de contratorpedeiros e de fragatas de 50 para 40 e do número de submarinos não estratégicos de 24 para 16.

Quadro n.° 7 - A redução de efetivos e proporção entre ativo e reservas.

Ramos    A         B     B/A          C         C/B        D        D/B       E          E/B
das FA   Ativo   Ativo    %    Res. Regular   %    Res.Volunt   %   Total.Reserv  %  

                1990      1999                1997             1997                  1997
Marinha    56.000   44.000   79      23.000    52       4.700       11        27.752       63
Exército  137.200  114.000   83    115.000  101     59.000      52      174.101    153
F.Aérea    83.000     55.500   67      45.000    81       1.700      13        46.781      84
Total       276.200  213.500   77     133.000   86      65.400      31      243.436    116

Da aplicação das “Opções para a Mudança” resultou a diminuição de  efetivos das forças armadas de 277 mil para 242 mil militares, de 1990  para 1991 e a diminuição das despesas com a defesa, de 27,3 biliões de libras em 1991/92, para 21,4 em 1995/96, a preços constantes de 1995/96. (Intervenção do Air Marechal Peter Squire).
Conseguiu-se também uma melhor repartição de despesas nas diferentes  rubricas. De um total de 23 biliões de libras para a defesa em 1993 foram  gastos com a produção e reparação de equipamento 7 biliões de libras (34%) (Front Line First, Ministry of Defense, pág. 9)
A mais importante reforma nas forças armadas do RU, no plano da otimização de custos e outros meios, teve lugar, com o mega estudo denominado Front Line First, the Defense Cost Study, terminado em 1994. As forças armadas, foram examinadas função a função, por equipas dos melhores especialistas do país, compostas por civis e militares. O objetivo era “cortar custos mas não defesa”. Do esforço de racionalização resultou o  desaparecimento de duplicações, de pequenas bases e aquartelamentos, o  emagrecimento de muitos serviços administrativos, estados maiores e quartéis generais. O Ministério da Defesa em Londres passou de 12.700 postos de trabalho, em 1990, para 3.750 em 1998.

Quadro n.°8               Redução de efetivos no Ministério da Defesa em Londres
                                                     1990                   1995              1998
                       Efetivos              12.700                 5.200             3.750

Procedeu-se também a simplificação do sistema de planeamento, à diminuição de civis (cerca de 7 mil até o ano 2000), apesar de ter continuado a substituição de militares por civis (cerca de 2000 no mesmo prazo) e a adjudicação ao sector privado de certas tarefas. Até ao ano. 2000 desaparecerão 19 mil funções, 12 mil desempenhadas por militares, fundamentalmente da força aérea (7.500) e, 7 mil por civis.
Com o estudo Front Line First (FLF pretende-se reduzir as despesas com as forças armadas de 23 biliões de libras (6.624 milhões de contos) equivalente a 3,4% do PIB, em 1993/94, para cerca de 2,9%, em 1996/97.

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