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quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O SERVIÇO MILITAR na EUROPA - 5. conclusões

Assembleia da República
Comissão de Defesa Nacional
 Relatório

das visitas e dos Encontros de uma delegação da Comissão de Defesa Nacional com as Comissões congéneres, com os Ministérios da Defesa e com as chefias militares, da Alemanha, Bélgica, Reino Unido e França, sobre o Serviço Militar, em Fevereiro e Março de 1997.
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Índice:
Introdução                                            1
1 - A Alemanha                                     4
2 - A Bélgica                                        13
3 - O Reino Unido                              17
4 - A França                                        25
5 - Conclusões                                     32
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5 - Conclusões:

Está fora do âmbito destas conclusões a exposição das razões que militam a favor ou contra a extinção ou suspensão da conscrição. Elas restringir-se-ão à identificação dos problemas levantados pela profissionalização das forças armadas e a algumas sugestões no sentido de os superar.

A transformação de umas forças armadas assentes na conscrição numas E forças armadas profissionais é um processo de grande complexidade. Para o levar a cabo com êxito é necessário fazer um levantamento objetivo das principais dificuldades e assegurar antecipadamente a forma de as vencer. Sem estas precauções poder-se-á pôr em causa a capacidade e o prestígio das Forças Armadas e consequentemente a defesa nacional.
É conveniente conhecer os problemas e as soluções encontradas por outros
países que empreenderam estas transformações. Mas, como é óbvio, isso é insuficiente. É indispensável analisar a situação nacional de que se parte, conhecer os constrangimentos financeiros do Estado, os condicionalismos  culturais da sociedade civil e da sociedade castrense, e os recursos humanos das forças armadas, necessários à transformação.
São cinco as questões principais colocadas pela extinção ou suspensão do serviço militar obrigatório.

O recrutamento, as reservas, a reinserção profissional dos licenciados,
os meios financeiros, exigidos pela remuneração, regalias e segurança social dos militares contratados e pelo eventual licenciamento de militares excedentários do quadro permanente. O isolamento tendencial, relativamente à sociedade civil, das forças armadas profissionais.
Outros problemas se colocam, mas de dificuldade inferior. É o caso da determinação do período ótimo de transição, o problema do envelhecimento dos praças e, em geral, os problemas da pirâmide etária, a questão associativa e sindical.

5. 1 - O Recrutamento

A Bélgica fez a mudança em quatro anos e enfrenta dificuldades que o seu Governo considera pôr em causa, não a decisão, mas a profundidade do estudo e do planeamento das medidas para a mudança. O Reino Unido, em 1956, decidiu e procedeu à mudança em seis anos, o mesmo tempo decidido pelo Presidente Chirac, em França, para o mesmo objetivo.
O tempo de transição está ligado às condições concretas de cada país. Em  Portugal, alguns aspetos da transição, mas não os fundamentais, realizam se desde 1993. Refiro-me ao sistema misto de recrutamento implementado desde então e ao número e percentagem considerável de militares contratados, já existentes nas forças armadas portuguesas. A tal ponto o número de contratados aumentou, que hoje, já não existem militares do serviço militar obrigatório na Força Aérea e só residualmente se encontram na Marinha.
Sublinhe-se, no entanto, que o aspeto fundamental do recrutamento de voluntários, atualmente, é o de que se apoia no serviço militar obrigatório. Não haja ilusões sobre a facilidade de resolução desta questão, eventualmente suscitada pela ideia de que já falta recrutar poucos soldados para termos os voluntários suficientes!
Os voluntários são recrutados na quase totalidade entre militares que estão
à mão para serem contactados, informados e aliciados. O recrutamento apoia-se num universo constituído por militares que tem já uma experiência da vida castrense e uma perspetiva da carreira e estão por isso melhor informados que um jovem civil para tomar uma tal opção.
Sem conscrição, os voluntários têm de ser recrutados entre os civis e nisso residia a diferença e a dificuldade fundamental. É necessário um serviço de recrutamento assente numa lógica diferente. Na promoção do "produto" militar. É necessário ir aonde estão os jovens. Ás escolas e aos locais de trabalho à casa de cada um através da televisão, da rádio, da internet, do folheto de propaganda.
É indispensável que o papel desempenhado pelas forças armadas na informação e na criação do espírito de defesa seja feito na escola.
O recrutamento para ser eficaz assenta na comunicação e no carácter apelativo da proposta. É necessário fazer chegar a mensagem de recrutamento de voluntários aos destinatários e é necessário que a proposta de recrutamento da mensagem seja atrativa. Isso exige remuneração adequada e outras regalias que são diferentes para quem vai prestar um serviço durante, digamos, três a seis anos, das que são suficientes para quem vai prestar serviço durante quatro ou dez meses.
Uma das regalias mais importantes para quem fizer um contrato de serviço
curto, de três a seis anos, é a da formação profissional e garantia de reinserção profissional adequada. E para quem faça um serviço longo de vinte ou vinte e dois anos é a garantia de reforma adequada.

5.2 - As Reservas de Mobilização

 A constituição de reservas poderia assentar durante alguns anos, após a mudança, nos militares do serviço militar obrigatório passados à  disponibilidade. Mas com quatro a seis meses de serviço e sem exercícios, de facto não temos desde há muitos anos nenhuma capacidade de mobilizar reservas minimamente credíveis e em prazos curtos.
Uma modalidade a seguir pode ser a de incluir no contrato dos voluntários a obrigação de durante um certo número de anos poderem, se necessário, ser mobilizados. Isso poderá obrigar a conceder contrapartidas ao contratado licenciado, nomeadamente garantia de continuidade do emprego, e à entidade patronal, eventualmente atingida pela mobilização dos seus trabalhadores. Outra forma poderá ser a de dar instrução militar a jovens que não irão cumprir serviço militar mas que constituirão uma reserva de mobilização. Ter-se-á, obviamente, que pensar no que será necessário dar como contrapartida a esta disponibilidade. Quer no imediato quer no caso de mobilização. Algo na direção dos cadetes do Reino Unido e não na da ex - Mocidade Portuguesa.
Outra direção de trabalho é a de levantamento, registo e protocolo com técnicos especialistas das mais variadas especialidades para mobilização eventual.
Uma experiência que deveria ser estudada é a dos clubes militares do Reino Unido. Clubes que associariam os jovens tipo "cadete", acima referido, os especialistas, os militares contratados licenciados e militares do ativo, sob o patrocínio da Instituição Militar. Eventualmente em instalações militares. Estes clubes ou associações não teriam no seu objeto qualquer finalidade reivindicativa socio-profissional ou sindical. Seriam clubes ou associações para o fortalecimento do espírito de defesa na sociedade, para apoiar a constituição de reservas de mobilização e para melhorar a ligação forças armadas - sociedade civil.
Tal como nos efetivos das forças armadas se deverá estudar o incremento" da participação feminina também nas medidas para a constituição de reservas elas devem ser aliciadas e poderão ter um papel importante.

5.3 - A Reinserção Profissional dos Contratados

Este é um fator decisivo para o recrutamento e mais ainda para impedir o surgimento de tensões sociais resultantes da marginalização dos contratados de curta duração após o licenciamento. É necessário garantir tanto quanto possível, uma saída profissional a estes militares. Esta é também uma forma de prestigiar as forças armadas.
É necessário facultar aos contratados desmobilizados facilidade de emprego na GNR, na PSP, na função pública.
É indispensável proporcionar formação profissional, durante ou após o serviço militar ou as duas coisas, de modo a facilitar o emprego. Formação profissional de seis meses a dois ou três anos, conforme a duração do serviço militar e conforme a função. Por exemplo, três anos na infantaria (isto é, numa função sem saída automática para a vida civil) daria direito a uma formação profissional de seis meses, um serviço de seis anos a uma formação profissional de dois anos e uma permanência de oito ou mais anos a uma formação de três anos. Igualmente deverão ser encaradas medidas na direção das entidades empregadores como seja o estabelecimento de protocolos com ministérios, autarquias e o sector privado, para o acesso prioritário ao “emprego de ex -militares.

5.4 - Os Meios Financeiros

A remuneração de um soldado contratado é várias vezes superior à de um soldado do serviço militar obrigatório. Mas a remuneração é, ainda que muito relevante, uma das muitas variáveis a ter em conta no cálculo dos custos comparativos entre umas forças armadas profissionais e umas forças armadas de conscrição.
O que a experiência de outros países mostra é que para se diminuir custos (ou não os aumentar) com a profissionalização é necessário:
- diminuir substancialmente o número de efetivos, em particular o número de praças;
- adjudicar serviços "civis" das forças armadas;
- proceder a um estudo criterioso de todas as funções militares,  particularmente nos serviços administrativos, estados-maiores, quartéis generais e toda a estrutura não combatente, para eliminar as funções supérfluas ou repetidas;
- reestruturar, eventualmente, serviços, armas, ramos, EMGFA, Ministério da Defesa, se a necessidade de aumento de produtividade o exigir, sem prejuízo dos potenciais de combate e dos níveis de defesa superiormente estabelecidos.

5.5 - O Perigo de Isolamento

O isolamento de umas forças armadas profissionais relativamente à sociedade civil é tendencialmente superior à de umas forças armadas baseadas na conscrição. E isso, como é óbvio, é mau para um regime democrático e é mau para a defesa do país. Haverá que tomar medidas para contrariar tal tendência.
Para uma maior ligação da Instituição Militar à sociedade civil é
importante manter, aumentar ou melhorar as missões secundárias das forças armadas de apoio à sociedade. Apoio em situações de catástrofe, cheias, incêndios, apoio às autarquias, com a engenharia do Exército, nomeadamente, cooperação com o meio civil envolvente, na saúde, com a prestação de serviços médicos, no desporto militar em ligação com o desporto civil, manter ou ampliar os múltiplos e habituais serviços civis prestados pela Marinha e pela Força Aérea.
Maior ligação, até para diminuição de custos, das escolas e academias militares às universidades, institutos ou escolas civis e maior intercâmbio entre elas. Nomeadamente nos contactos humanos, científicos, culturais e desportivos. Exame das possibilidades de frequências cruzadas. De alunos das escolas militares em algumas cadeiras das escolas ou universidades civis e vice-versa.
Outra frente de contacto e aproximação à sociedade civil é a diminuição das atuais e desatualizadas restrições impostas pelo artigo 31, da Lei de Defesa Nacional aos militares. Ainda que de acordo com um plano faseado e testável, para se aferir da sua sustentabilidade, deveria proceder-se à sua alteração a curto prazo.
Na Alemanha e em quase todos os países da OTAN, não existem restrições ou pelo menos restrições tão grandes aos direitos de cidadania, especialmente naqueles que, pela sua maior tradição democrática, nos deveriam servir de exemplo.
Outro fator favorável à ligação da Instituição Militar à sociedade civil é a presença de mulheres nas forças armadas por isso dever-se-ia promover a sua presença crescente em todos os escalões da hierarquia.
No caso de ser decidido o fim do serviço militar obrigatório, em tempo de paz, como é propósito do Governo, será conveniente estudar a manutenção das operações de recenseamento, classificação, seleção e rastreio de saúde dos jovens em idade militar e dos serviços adequados a essas tarefas.
 
Dezembro de 1997
O relator:  Raimundo Narciso 

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